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terça-feira, 27 de outubro de 2009

RIO EM GUERRA !

Brasil








O Rio em guerra






O ataque de traficantes a um helicóptero da PM e o flagrante de policiais roubando mancham a imagem da cidade e impõem uma questão: por que o Brasil não vence a violência?






Nelito Fernandes, Rafael Pereira e Ruth de Aquino














Depois de ter sido escolhido sede dos Jogos Olímpicos de 2016, o Rio de Janeiro viu desabar seu discurso de paz. A cidade do futuro, das oportunidades, da Copa do Mundo, aquela que sonha com a grande virada, virou manchete de guerra, no Brasil e no exterior. Pela primeira vez na história dos conflitos em favelas, traficantes derrubaram um helicóptero da PM: três policiais morreram carbonizados. Quase 40 pessoas foram mortas nas ruas. Ônibus foram queimados.






Na mesma semana, a PM, ocupada em vingar seus heróis, viu a cara podre de policiais corruptos. “Marginais, criminosos e vagabundos”, nas palavras duras do governador do Rio, Sérgio Cabral. Um capitão e um sargento foram flagrados por câmeras roubando um par de tênis e uma jaqueta vermelha, furtados por assaltantes. A vítima, o coordenador da ONG carioca AfroReggae, ainda agonizava dentro de um banco quando a patrulha passou. Os policiais liberaram os assaltantes e confiscaram o furto para uso próprio. As imagens da vergonha foram gravadas e exibidas.






O Brasil avança na área social, tem uma economia estável e ganha respeito internacional. Por que não tem o mesmo sucesso no combate à violência? O que se pode fazer já para pacificar o Rio? ÉPOCA fez um diagnóstico dos principais desafios, ouviu especialistas. Um artigo exclusivo de Hugo Acero, um dos responsáveis pela pacificação na Colômbia, alinhava soluções já conhecidas pelos governos federal e estadual.






Sonho de turistas, símbolo do país no exterior, o Rio é também o ícone de nossa incapacidade de enfrentar o narcotráfico armado. A derrubada do helicóptero, com a morte de PMs no exercício do dever, e a prisão de dois policiais que envergonham a corporação são duas faces do mesmo problema e ilustram nossos maiores obstáculos no combate à violência com resultados consistentes.






Quem comandou a invasão do morro e o ataque aos policiais com uma metralhadora antiaérea foi um traficante beneficiado pelo regime semiaberto – apesar de já ter fugido da cadeia uma vez. Para evitar essas fugas anunciadas (de cada dez presos no Rio, oito são reincidentes), nossa legislação será revisada. A revelação é do ministro da Justiça, Tarso Genro, em entrevista a ÉPOCA. O governo federal prepara o fim da progressão de regime para grandes traficantes e o aumento de penas por tráfico. O projeto será encaminhado ao Congresso até o mês que vem. “Sou a favor da ausência de qualquer liberalidade. Enquanto não houver uma modificação desse tipo não teremos um combate efetivo”, disse o ministro. Em contrapartida, o governo também quer que os considerados pequenos traficantes cumpram penas alternativas. “O pé de chinelo acaba indo para a cadeia e faz ‘pós-graduação’ lá dentro”, afirma o ministro.






No jogo dos sete erros que vieram à tona com o caos instalado na Zona Norte do Rio no fim de semana passado, estão:






• uma polícia mal equipada usando um helicóptero parcialmente blindado;






• a eterna divisão entre Polícia Civil e Polícia Militar;






• somente os oficiais vestiam fardas anti-chamas, porque não há verba para os praças – que morreram carbonizados;






• um setor de inteligência que não conseguiu convencer seus superiores de que a invasão era iminente;






• uma corporação tão ineficiente ou corrupta que fecha os olhos para a movimentação de 150 bandidos, que percorreram 17 quilômetros com fuzis pela cidade sem que nenhum policial fizesse uma abordagem;






• falta de controle nas fronteiras: armas de guerra, fuzis, metralhadoras antiaéreas entram no país com destino aos morros. Alguns têm alcance de 2 quilômetros (ver o infográfico da página 60);






• falta de integração entre forças estaduais e federais.














O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, alertou sobre a necessidade de Brasília assumir seu compromisso no combate ao narcotráfico. O maior rigor na concessão de benefícios aos presos é uma das medidas sugeridas pelos especialistas ouvidos por ÉPOCA. Uma série de medidas práticas que devem ser perseguidas, como a reforma do Código Penal, que é de 1941, quando nem sequer existiam os celulares na cadeia; a criação de uma polícia de ciclo completo, que investigue e atue na prevenção; e a melhora nas condições de trabalho dos policiais. Imagine uma empresa na qual os funcionários só aparecem para trabalhar a cada três dias. Quando estão no trabalho, eles devem ficar acordados 24 horas seguidas. A polícia é assim. “Como não tem dinheiro para pagar salários decentes, os Estados fazem essa escala para permitir que o policial tenha outro emprego”, diz o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança.






A invasão do Morro dos Macacos, na Zona Norte do Rio, foi uma das maiores já vistas na cidade para tomar o controle de uma favela. Cerca de 150 homens, armados com 80 fuzis e incontáveis pistolas, foram mobilizados pelo Comando Vermelho (CV). O local é dominado pela facção Amigos dos Amigos (ADA), principal rival do CV. A quadrilha se dividiu em dois grupos e percorreu 17 quilômetros para chegar ao Morro dos Macacos sem ser incomodada pela polícia. Pelo menos dois caminhões-baús (usados para mudanças), nove carros e dezenas de motocicletas foram usados para o transporte. O tiroteio começou às 21 horas da sexta-feira dia 16. A quadrilha rival ofereceu pouca resistência, pois tinha apenas 13 fuzis no arsenal.






A madrugada do sábado dia 17 foi de terror. “Ficamos no chão do quarto. As crianças, assustadas, queriam sair de casa”, disse uma jovem, que pegou alguns pertences e foi dormir na casa de parentes, longe dali. Três jovens – Marcelo, Leonardo e Francisco – voltavam para casa depois de uma festa. Foram cercados por bandidos e executados a tiros em plena rua. A polícia interveio ainda de madrugada, e o tiroteio seguiu até as 10 horas da manhã. Os rapazes vinham de uma festa à fantasia, mas os tiros eram reais.














“Meu sonho é que o Rio, em 2016, não tenha mais territórios ocupados”






SÉRGIO CABRAL, governador do Rio














Um bandido acertou tiros no helicóptero Fênix, da Polícia Militar, e a aeronave, em chamas, fez um pouso forçado em uma favela vizinha. Dos seis policiais que estavam no helicóptero, dois morreram na hora e um terceiro morreu dias depois, no hospital. A queda do helicóptero e a morte dos policiais estimulou um sentimento de vingança na corporação. O presidente do Clube de Cabos e Soldados da PM do Rio, Jorge Lobão, ofereceu R$ 2 mil de recompensa a quem der pistas sobre o autor dos disparos que derrubaram o helicóptero. Lobão deu o número do próprio celular para receber as denúncias. No início da semana, dezenas de favelas do Comando Vermelho foram ocupadas, na busca dos responsáveis pelos disparos que mataram três policiais. Nenhum dos principais acusados foi encontrado pela polícia. Até a quinta-feira, somadas a guerra entre traficantes e a operação policial, já eram quase 40 mortos.






“Em nenhum lugar do mundo polícia estadual é encarregada de combater narcotraficantes. Ainda mais traficantes com fuzis importados que entram por nossas fronteiras e nossos portos”, diz o secretário Beltrame. “É o Estado do Rio que está ajudando o governo federal em algo que é compromisso de Brasília”.






As trancas que impedem a ação da polícia são maiores do que as que prendem os bandidos nas cadeias. Uma simples compra pode se transformar num emaranhado burocrático por causa das exigências da lei de licitação e da participação do Exército, que deve dar seu aval na aquisição de cada equipamento considerado de “guerra”. Desde junho deste ano o governo do Rio tenta, sem sucesso, comprar 40 cabines blindadas para os policiais. Uma disputa judicial entre as empresas que concorreram na licitação de R$ 7 milhões emperra a compra. Se não houver decisão até novembro, a verba não poderá ser usada, já que acaba o prazo para a execução do orçamento. O ministro da Justiça, Tarso Genro, disse a ÉPOCA que o Estado do Rio teve de devolver R$ 20 milhões ao governo federal por não conseguir gastá-los por causa de situações como essas. “Nos últimos três anos, o governo federal investiu no Rio R$ 421 milhões na área de segurança. Infelizmente, nem todo o dinheiro pôde ser usado”, diz. Genro afirma que algumas regras não podem mudar, como a exigência dos pareceres do Exército. “Se permitirmos um ‘liberou geral’, vamos ter exércitos regionais.”






Segurança é um tema que tira muitos votos e raramente vence uma eleição. “No início do primeiro governo Lula, houve a ideia de criar uma Secretaria de Segurança com status de ministério”, diz o ex-secretário nacional de Segurança José Vicente Silva. “Lula foi convencido de que acabaria sendo cobrado diretamente pelas questões ligadas à segurança.” Ela permanece subordinada ao Ministério da Justiça. No primeiro ano de governo, Lula reduziu em um terço a estrutura da Secretaria Nacional de Segurança Pública. Cortou 33 cargos da pasta. No mesmo ano, foram criados 236 cargos na Secretaria Especial de Pesca. O Programa Nacional de Segurança Pública e Cidadania, principal ação do governo federal na área, porém, enfrenta críticas. “O Pronasci repassa recursos para prefeituras, que incluem programas de inclusão digital e bolsas de R$ 100 para ex-recrutas do Exército como combate à violência. Não existe uma definição clara do papel da Polícia Federal, por exemplo”, diz José Vicente.






Nas grandiosas operações da Polícia Federal não se vê destaque para a desarticulação de quadrilhas de traficantes de armas ou de drogas. Segundo Tarso Genro, os convênios feitos entre a Polícia Federal e o governo estadual vão começar a dar resultado em breve, assim como o reforço das fronteiras. “Não é algo que a gente veja de imediato, os primeiros resultados são discretos”, afirma.






No âmbito estadual, o Rio também tem limitações: paga a seus PMs o pior salário da categoria no país. Os policiais recebem fardas apenas a cada dois anos e, por isso, trabalham muitas vezes com roupas puídas. “Os dois oficiais escaparam ilesos na queda do helicóptero porque só eles recebem farda anti-incêndio”, diz Melquizedec Nascimento, presidente da Associação dos Militares Auxiliares e Especialistas, entidade de classe da PM. O governador Sérgio Cabral afirmou ter encontrado uma situação de disparidade enorme porque havia cinco anos a PM não tinha reajuste salarial. Ele admite que o salário inicial é muito baixo (R$ 970), mas promete dar uma gratificação de R$ 350 em dezembro para quem estiver trabalhando na rua.






As más condições de trabalho e os baixos salários não justificam uma chaga da polícia: a corrupção. No domingo 18 de outubro, um dia depois da tentativa de invasão no Morro dos Macacos, outro crime se tornaria emblemático para a crise institucional da polícia do Rio. Evandro João da Silva, de 42 anos, coordenador da ONG carioca AfroReggae, foi assassinado depois de sofrer um assalto num banco no centro do Rio. O que seria mais uma tragédia no cotidiano ganhou tons de absurdo na quinta-feira dia 22, quando foram divulgadas imagens de câmeras de segurança da rua em que ocorreu o assalto. Os policiais tomam dos bandidos o produto do roubo – uma jaqueta e um par de tênis – e liberam os dois. Um dos policiais era capitão, promovido havia um ano. Ele supervisionava o patrulhamento no centro da cidade. O outro era um sargento.






Os policiais foram presos. O comandante da PM pediu desculpas. Mas o governador Sérgio Cabral não ficou satisfeito. Na sexta-feira, pediu a exoneração do relações-públicas da PM, major Oderlei dos Santos Alves de Souza, que havia tratado o caso como um simples “desvio de conduta”. “Um porta-voz da PM não pode se comportar como um advogado da corporação. É um desrespeito à população.”






O AfroReggae é símbolo da luta pela paz na cidade. Desde a fundação, em 1993, trabalha para pacificar duas comunidades que travam uma das guerras de facções mais antigas do Rio: Vigário Geral e Parada de Lucas. Um dos projetos de maior repercussão da ONG, o Juventude e Polícia, trata justamente da melhoria dessa relação. Evandro, morador de Parada de Lucas, começou a trabalhar no AfroReggae como moderador de conflitos e coordenou, recentemente, um projeto cultural em presídios do Estado. Foi enterrado ao som de obras de Bach ao violino, tocadas por crianças do projeto, seus alunos.






A atual crise da segurança pode ser resultado da queda dos lucros do tráfico, provocada pela perda de pontos de venda e prisão de líderes. “O fato de que eles começaram a vender crack, uma droga barata, vendida para pobres, é um indicativo do desespero”, diz o sociólogo Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Misse afirma que a classe média tem procurado cada vez mais traficantes de condomínio e que a cocaína saiu de moda por causa das drogas sintéticas. Um estudo da Secretaria de Fazenda do Estado do Rio estima que, dos R$ 317 milhões arrecadados com a venda de drogas anualmente, os traficantes do Rio lucrem R$ 26 milhões, uma margem considerada baixa para o risco do negócio. Os lucros proporcionalmente baixos deixam como única opção invadir e tomar os pontos dos vizinhos – e daí vem a guerra entre as facções. “O Morro dos Macacos (palco da recente guerra) é insignificante. Se fazem essa disputa toda por um morro como esse, é porque os negócios não vão bem”, diz Misse.






Não faltam exemplos no mundo de que é possível, sim, reduzir a violência. Nova York conseguiu, com sua política de tolerância zero e investigação de pequenos delitos. O programa fez a cidade voltar aos índices de criminalidade da década de 70. Bogotá reduziu o número de homicídios por 100 mil habitantes de 81, em 1993, para 32, hoje (o Rio tem 41 por 100 mil). Nenhuma cidade limpou seus índices antes de limpar a polícia.






No Rio de Janeiro, existe uma iniciativa alentadora. As chamadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) conseguiram manter o tráfico afastado de cinco morros da cidade, apostando em policiais recém- -saídos da academia e no policiamento comunitário. Não há nenhum outro caminho que não passe pela ocupação social das favelas, com adesão da sociedade civil e investimentos das empresas. Há um longo caminho pela frente. O projeto da pacificação visa atingir cem favelas mais críticas, das mil existentes no Estado do Rio. Quarenta e três fazem parte do primeiro lote. Em Cidade de Deus, ao inaugurar uma creche numa praça que era o posto central do tráfico, o governador Sérgio Cabral ouviu de uma criança: “Obrigado por livrar a gente do terrorismo”.





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